DIREITO - Sociologia Juridica, Modernidade e a Ciencia do Direito


SOCIOLOGIA JURÍDICA, MODERNIDADE E CIÊNCIA DO DIREITO


Como sabemos a modernidade traz à sociedade um conjunto de inovações que beneficiam e, ao mesmo tempo, provocam conflitos. Esse paradoxo é analisado no decorrer do desenvolvimento por autores de renome como Marshall Bermann, Miguel Reale, Alain Touraine et al.
A sociologia jurídica também é discutida sob várias óticas, possibilitando assim uma maior compreensão de seu objeto, do campo de atuação e dos problemas que a ela aparecem.
O direito como Ciência é amplamente discutido, a norma jurídica é estudada sob os mais diversos prismas jurídicos, elaborados por Tércio Sampaio, Miguel Reale, Hans Kelsen, Karl Marx e outros.

SOCIOLOGIA JURÍDICA, MODERNIDADE E CIÊNCIA DO DIREITO


“O que é modernidade, cuja presença é tão central em nossas idéias e práticas após mais de três séculos e que está em discussão, rejeitada ou redefinida, nos dias de hoje?” Esta é a pergunta que faz Alain Touraine na apresentação de seu livro, entitulado “Crítica da Modernidade”. Segundo ele, seria a afirmação de que o homem é o que ele faz, e que, portanto, deve existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção, tornada mais eficaz pela ciência, a tecnologia ou a administração, a organização da sociedade, regulada pela lei da vida pessoal, animada pelo interesse, mas também pela vontade de se liberar de todas as pressões. Já Marshall Berman, define-a como sendo um conjunto de experiências de cada indivíduo consigo mesmo e com os outros. Mas não é mansa nem pacífica a questão. Pois a modernidade, ainda sob a ótica de Berman, é um paradoxo, uma unidade de desunidade, pois ao mesmo tempo que une as pessoas no mundo, destruindo as fronteiras geográficas, raciais e de classes, coloca-as num ambiente conflitante, contraditório.
As pessoas que se encontram nesse ambiente sentem-se como se fossem as primeiras, e quiçá as últimas, a experimentarem esse tipo sensação. Isso ocorre há mais de quinhentos anos, e por que ainda os indivíduos assim se sentem? Talvez seria porque a maioria de nós é incapaz de encarar o novo como sendo algo natural. Deixamo-nos levar por nosso medo do futuro, pensando ser ele algo que vai destruir nossas tradições, nossos saberes etc.
Essa complexa modernidade é nutrida por vários acontecimentos, entre os quais temos: a industrialização da produção, a qual ao mesmo tempo que aumenta significativamente a produção, diminui drasticamente o número de empregos; a explosão demográfica, que colabora para a miséria de milhares de pessoas; os grandes sistemas de comunicação de massa, que empacotam num mesmo embrulho os diversos tipos indivíduos etc.
Agora, tracemos a concepção de Miguel Reale sobre a modernidade. Esse eminente jurista a vê com olhos de otimismo, se cotejado com Berman, que acabamos de analisar. Para ele, a modernidade possui uma trajetória linear, é vista apenas como um progresso para a humanidade, anunciando um homem novo, que abandona o individualismo oitocentista e acata o social tão em alta. Abstrai-se dos problemas que a acompanham, e nisso Reale não consegue enxergar a crise jurídica oriunda desses conflitos da sociedade moderna. De modo objetivo, ele vê a modernidade como um corte no direito, porém isso não constitui um problema insolúvel, pois as respostas aos conflitos promanados dessa modernidade encontram-se no próprio sistema jurídico, nas normas jurídicas.
A norma jurídica, por sua vez, segundo Tércio Sampaio Júnior, apresenta-se como uma noção integradora, que determina o campo de atuação e o objeto de estudo da Ciência do Direito. Sob a ótica da Dogmática Jurídica essa definição simboliza um ponto crítico de onde se visualiza as limitações do pensamento científico-jurídico.
Não existe um conceito uno de norma jurídica, mas vários. Isso se deve porque está implícita a subjetividade de quem conceitua. A visão do mundo, do Estado, da realidade, do Direito, tudo isso é relativo. Tércio cita um conceito de norma jurídica que, em seu dizer, já está desgastado e ainda assim prossegue no tempo na consciência do jurista: “... a norma é uma regra, conforme a qual nos devemos guiar...”( von Jhering, “Der Zweck im Recht”).
Sendo uma regra, não pode ser transgredida, pois como o próprio autor diz “...devemos nos guiar...”. Ele não fala em pode guiar, e sim que devemos nos conduzir de acordo com ela, acentuando, de certa forma, o caráter coercitivo na norma jurídica.
Divergindo um pouco de von Jhering, Émile Durkheim diz que o social é coercitivo, o direito é símbolo da solidariedade social. A distinção entre direito público e direito privado apresenta somente uma finalidade prática, distinguindo apenas o direito não privilegiado do direito privilegiado do Estado.
Durkheim distingue dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Aquela caracteriza a sociedade segmentária, na qual o direito se faz acompanhar de sanções repressivas (direito penal). A segunda caracteriza a sociedade diferenciada, em que junto ao direito vêm as sanções restitutivas, corrigindo o ato desviado ou anulando seus efeitos.
Para melhor compreensão, tem-se o seguinte quadro sintético da teia das relações sociedade-solidariedade-direito.


Formas de sociedade Tipos sociais Sociedade Direito Sanção Objetivo da sanção

Mecânica semelhantes Segmentária Penal Repressiva Reprovação,
censura,
corporal
punição

Orgânica Dessemelhantes Diferenciada Contratual Restitutiva
restauração
restabelecimento
relações perturbadas

Já Max Weber identifica três bases do Direito: costumes, carisma e lei. Dentro da regularidade da conduta social podemos descobrir usos e costumes. Os usos quando gozam de muita eficácia tornam-se costumes. A dedicação ao líder e a confiança nele, pelas suas qualidades, garantiram e solidificaram-lhe a autoridade. A crença na autoridade de normas estabelecidas de modo racional criou condições para a cristalização do poder e a garantia de obediência.
O direito não é espontâneo, mas construído pelos juristas. A fundamentação e a sistematização do direito, para Weber, está na formação do jurista e na orientação do pensamento jurídico.
Por outro lado, Roscoe Pound, atribui ao jurista o papel de assegurar a satisfação dos interesses sociais, promovendo a harmonia e o equilíbrio entre eles. A ciência jurídica é interpretada teleologicamente. Ele distinguiu a justiça sem lei, sem regras determinadas, baseada na vontade e liberdade de discernimento do indivíduo, e a justiça com lei, com preceitos de aplicação geral, fundamentados no pressuposto de igualdade e infalibilidade possíveis, persistindo o direito como razão e não como vontade arbitrária.
O direito é antes de tudo o produto de forças econômicas, esse é o pensamento de Karl Marx Frederich Engels. O direito é apenas uma superestrutura fundamentada nas condições econômicas. Tem sido estabelecido, desde o início da humanidade pela classe economicamente mais forte. A lei é um instrumento da classe dominante para manter-se no poder e conservar submissas as classes oprimidas. Por isso não leva ao bem comum da sociedade como um todo e sim daqueles que estão no poder. Marx e Engels não vêem o direito como o solucionador dos conflitos sociais, e sim como forma de garantir a dominação dos mais pobres pelos mais ricos.
Contrariamente a Marx e Engels, Georges Gurvitch diz que o “direito representa uma tentativa para realizar, numa dada ambiência social, a idéia de justiça (que é, preliminar e essencialmente, a reconciliação e a variável dos valores espirituais em conflito, assimilados a certa estrutura social), através de um normativismo multilateral imperativo-atributivo baseado em laço determinado entre deveres e direitos; essa regulamentação extrai sua validez dos fatos normativos que dão uma garantia social de sua eficácia e podem em certos casos executar suas exigências – por coerção precisa e externa, porém não a pressupõem necessariamente”. Ou seja, para ele o direito busca a justiça, embora possa recorrer à coercitividade para alcançá-la.
O fenômeno jurídico, como fenômeno social que é, constitui um quadro de referências que se modifica, que se renova incessantemente, razão por que as leis padecem de obsolescência. É nessa perspectiva que Gurvich formula as trilhas da Sociologia Jurídica: “a sociologia do direito é parte da sociologia do espírito* humano que estuda a plena realidade social do direito desde suas expressões tangíveis e exteriormente observáveis nas condutas coletivas efetivas (organizações cristalizadas, práticas costumeiras, tradições ou inovações de conduta) e nas bases materiais (a estrutura social e a densidade demográfica das instituições jurídicas).”
( * estudo das expressões do conhecimento e da cultura humana)

A SOCIOLOGIA JURÍDICA DE NIKLAS LUHMANN

Como sabemos, as relações humanas são direta ou indiretamente ligadas ao direito. Sendo um fato social, do direito é impossível se separar. Sem ele, nenhuma sociedade se estrutura de forma duradoura. O social é sempre regido por normas.
É surpreendente o fato de o direito pouco interessar os sociólogos, em virtude do que acima se expôs. Um exemplo disso é o ensino de “Sociologia Jurídica”, que no mais das vezes é exercido não por um sociólogo, mas sim por um jurista.
A sociologia jurídica encontra-se em plano inferior, se cotejada a outros campos de pesquisa sociológica, a exemplo temos a sociologia de família, a sociologia política etc. Talvez se fosse atividade de juristas, ela conseguiria desenvolver-se mais amplamente. Nos dias de hoje, isso ainda continua sendo uma utopia dos juristas, os quais desejam um auxílio nas elaborações e fundamentações das sentenças.
Um dos problemas enfrentados pelos sociólogos é o grau de complexidade conceitual a que chegou a Ciência Jurídica. Sem árduos estudos sobre o direito, não é possível compreendê-lo. Sendo assim, como avaliar um ato jurídico, em que um dos participantes exerceu a coação?, por exemplo. Como um sociólogo analisaria esse acontecimento social, se não souber o significado de “coação” na relação jurídica? Mais ainda é detectar se um juiz está sendo influenciado em suas sentenças pelo meio social em que vive.
O direito insere-se em todas a áreas da atividade humana, sendo, pois, empiricamente, dela inseparável. Para investigá-lo minuciosamente, teríamos de ter uma sociologia do direito não só que dominasse todo o complexo conjuntos de conceitos jurídicos como também abrangesse toda a área de atuação da sociologia, e que servisse ainda como fonte de informações sociológicas para os juristas. Usualmente, isso é impossível. As sociologias especiais, que outrora foram citadas, possuem um campo de atuação bem definido e por isso elas obtém sucesso.
Quando a área a ser pesquisada não proporciona critérios óbvios de delimitação, as sociologias especiais se vêem obrigadas a tornar-se teoria sociológica geral ou desaparecer. Um exemplo disso foi a sociologia de conhecimento, ao tentar tematizar o norte cognitivo numa sociologia especial. Idem acontece com a sociologia jurídica na proporção em que tenta fazer da orientação normativa geral o assunto de uma sociologia especial.
Em tempos hodiernos, percebe-se uma tendência em desviar-se desses óbices de forma ímpar. É exigido da sociologia jurídica uma referência específica ao direito. Bom é lembrar que nem todos os fatos jurídicos são interessantes à sociologia do direito. Justamente por isso é que deveria deter-se ao conjunto de papéis em particular centrados e relacionados ao tema jurídico, como opiniões sobre sentenças proferidas, questões de legitimidade etc. Dessa forma, o direito é retirado de sua totalidade, de seu rebuscamento, de sua função social, de seu caráter onipresente, e ao qual se pode recorrer enquanto possibilidade. Assim, o direito some da sociologia jurídica. E nessa órbita, várias possibilidades se apresentam, das quais umas se desenvolvem como pontos fundamentais de uma nova sociologia do direito direcionada à pesquisa empírica.
Uma solução é deslocar a visão do direito para o jurista. Dessa maneira o sociólogo investiga um caminho que lhe é conhecido. Tendo por base um conceito central da sociologia moderna, ele pode investigar o papel do jurista. Nesse campo, vai encontrar vários aspectos, como papel de juiz, de advogado, de promotor etc. Poderia chamar a atenção a combinação desses papéis, sua consistência profissional, e minuciosamente, a observação se tais papéis se interceptam de modo a proporcionar uma interação funcional.
Uma segunda solução é o esforço para esclarecer o comportamento de pequenos grupos que executam decisões jurídicas. A técnica e as questões são as mesmas da pesquisa de pequenos grupos. Os colegiados de juízes se apresentam com um experimento natural, como um microssistema bem visível e que age de maneira relativamente isolada, no qual se pode observar, diretamente ou mediante questionários ou entrevistas, o efeito de diversos fatores, como o status social, freqüências de interações, competência na superação de divergências internas de opinião. O objeto principal até agora está direcionado a uma proposição muito limitada do problema: até onde vão as diferenças na estratificação social e os preconceitos ideológicos na influência do processo de decisões judiciárias, ou na sua neutralização em relação ao mesmo. No lugar do conflito justiça versus injustiça, o qual interessa às partes, busca-se verificar qual opinião, embasada em quê, impõe-se na decisão. Isso leva à perda de vista do direito, como também do processo de decisão, da interação e do diálogo jurídico.
Uma outra possibilidade seria desviar o próprio tema de pesquisa do direito para as opiniões acerca do direito, que são obtidas utilizando técnicas da moderna pesquisa de opinião. O objetivo é verificar se há alguma difusão sobre o conhecimento jurídico na população, a respeito de quais atitudes predominantes atinentes ao próprio direito e à organização que cuida do direito, primordialmente a justiça. Nessa direção, seria importante saber se o conhecimento jurídico oscila de acordo com a posição na pirâmide social, se fatores como a idade, o sexo, a educação, a inclusão em certo grupo interferem nas atitudes com relação a determinadas querelas jurídicas, provocando diferenças entre tais atitudes.
O ordenamento jurídico, como o conhecemos hoje, é um edifício complexamente estruturado. Essa complexidade deve ser compreendida, aos olhos de Luhmann, como a totalidade das possibilidades de experiências ou ações, cuja ativação permita o estabelecimento de uma relação de sentido, que no caso do direito significa não só considerar o legalmente permitido, como também as ações legalmente proibidas, quando relacionadas ao direito de modo sensível.
Do exposto, percebe-se que é preciso observar e indagar o direito como estrutura, e como um sistema numa relação interdependentemente mútua a sociedade. Ressaltando que essa relação possui uma configuração temporal, e material, o que leva a uma teoria evolucionista da sociedade e do direito.


LUHMANN: ABORDAGENS CLÁSSICAS À SOCIOLOGIA DO DIREITO

A sociologia jurídica surgiu na metade do século XIX, quando do advento da própria sociologia. Embora pareça tão evidente, não o é. A sociologia dá uma marca diferente ao interesse científico no direito, bem diferente daquilo que a anterior tradição européia havia pensado acerca da relação entre sociedade e direito.
Na transição do Século XVIII ao XIX, a tradição doutrinária européia desmorona, surgindo daí a sociologia. Para aquela, a relação entre direito e sociedade era mais concreta. Assim o direito sempre era tido como um dado, na base das associações humanas. Ele é intrínseco à natureza dessas associações, intimamente ligado a outros caracteres da sociedade, à amizade e à dominação.
O direito natural preparara a interpretação sociológica do direito, em sua última etapa, como direito racional, valendo-se para isso do contrato. O homem é tido como o sujeito e o contrato como categoria mediante a qual o conjunto social da vida humana pode ser analisado como disponível e como contingente, qualquer que seja o seu aspecto.
A sociologia, se cotejada ao direito natural, enxerga a relação entre sociedade e direito como indissociável, mas de maneira abstrata. Pode até admitir a tese de que toda sociedade deve possuir um ordenamento jurídico, porém a tese de que, em função disso, algumas normas seriam igualmente válidas para todas as sociedade é inadmissível.
Para auferir uma noção dos pressupostos do raciocínio, das limitações da sociologia clássica do direito e do seu estilo, interessante é análise sintética da sociologia jurídica sob a ótica de Marx, Maine, Durkheim, Weber, Parsons e Ehrlich.
A teoria marxista vê o direito como produto de forças econômicas. Há contradições sociais resultantes do desenvolvimento da produção e da satisfação de necessidades. O direito simboliza um papel decisivo na instauração de tais contradições, por meio de atribuição particular de chances especiais e desiguais: o direito proporciona e protege a propriedade. Sendo assim, funde as chances de satisfação de necessidades com interesses de família no patrimônio e com competências decisórias em formas de combinações que têm de ser modificadas em função do desenvolvimento das forças produtivas. Dessa forma, se a totalidade do direito está construída ao modelo dos interesses dos proprietários, e por pelos mesmos administrada, então essa modificação do direito só ocorrerá por meio de revolução.
No decorrer do desenvolvimento social seria possível uma socialização da propriedade, a qual afastaria a satisfação das necessidades (distribuição) das decisões na produção (planejamento), trocando o direito objetivado, ligado a interesses (classistas), pela racionalidade.
Já Maine tinha em vista um outro aspecto do mesmo problema, ele caracterizava o desenvolvimento do direito das sociedades antigas como um movimento do status para o contrato. Status e contrato não significam exclusivamente em termos sociológicos, mas diferentes princípios basilares da construção dum ordenamento jurídico e da distribuição de direito e deveres, os quais dever ser observados à luz da estrutura social correspondente.
Émile Durkheim indica, de modo polêmico, as bases não contratuais do contrato. A difusão de ordenamentos contratuais em sociedades diversificadas através da divisão do trabalho não modifica o fato de que o direito , como regra moral, é expressão da solidariedade de uma sociedade. A solidariedade seria condicionada pela diferenciação social e se transformaria paralelamente ao desenvolvimento da sociedade.
Por outro lado, Max Weber visa um desenvolvimento progressivamente diferenciador e automatizador do complexo de normas jurídicas, isto é, liberta do entrosamento com outras estruturas sociais, marcando-as com precisão no interesse de funções específicas. Assim, são ultrapassados elementos do arbítrio pessoal na aplicação do direito e liames a costumes e concepções de moral inerentes a pequenos grupos, tradicionalmente transmitidos, ininteligíveis a estranhos.
Na visão de Talcott Parsons, as posições teóricas de Weber e Durkheim não podiam fazer justiça ao direito, pois o alicerce para uma teoria sociológica autônoma consolidar-se-ia precisamente em torno desse problema. O utilitarismo, em virtude de sua posição de interesse naturalista-individualista, não teria capacidade para resolver o problema de “agregação” de valores sociais. Durkheim contrapôs a isso a tese da realidade objetiva das normas sociais. A compreensão da relação geral entre normas e interesses, provavelmente possibilitadas pela visão materialista da sociedade e pela interpretação gestáltico-ideográfica da história foi contraposta por Weber por uma análise da ação social e tipos ideais formados com base nessa análise.
Em derradeiro, Ehrlich. Ele tinha convicção na insuficiência de uma jurisprudência exclusivamente conceitual que acreditaria ser possível decidir sobre qualquer questão jurídica utilizando-se da dedução lógica a partir de um completo sistema conceitual regulativo.
Ao contrário de outros juristas, como von Jhering, Philipp Hech ou Roscoe Pound, o quais se contentavam com uma ciência do direito sociologizante que ressaltasse os interesses na interpretação das normas, Ehrlich busca, em sua “Fundamentação da sociologia do direito”(1913), fundamentar a ciência do direito no seio da sociologia jurídica. O direito é, para ele, a organização fática do comportamento em corporações sociais, surgindo na vida social, e por isso que a acentuação fixa-se na própria sociedade, nas suas mudanças fáticas. Considerava o direito elaborado pelos juristas em conceitos e preceitos, e o direito posto pelo Estado como um fenômeno secundário, derivado e fracamente verbalizado. Na aplicação do direito dos juristas ou do Estado, ocorrendo dúvidas, recorreria ao direito faticamente vivenciado, ao direito primário da sociedade.
Isso chamou a atenção de juristas, mas não, em especial, de sociólogos. Sociologicamente, é óbvio que o direito é direito na sociedade e com ela se modifica. Daí não se pode ter um ponto de contraposição ao direito dos juristas ou ao direito estatal, que só são compreensíveis no contexto social e nunca externo a ele. O que Ehrlich trata, partindo do ângulo ultrapassado de um desligamento entre sociedade e Estado, é uma diferenciação de papéis e sistemas na sociedade. Mas a sua pesquisa permaneceu insuficiente teoricamente, e o seu conceito de direito, obscuro.
Assim sendo, percebe-se que o direito não é determinado por si mesmo ou a partir de normas ou princípios superiores, e sim por sua referência à sociedade. E essa referência não é tida no sentido tradicional de uma hierarquia de fontes do direito, mas é entendida como uma correlação sujeita a modificações evolutivas, que pode ser experimentalmente verificada como uma relação de causa e efeito.
Isso e outros problemas atinentes às abordagens clássicas da sociologia jurídica levaram Luhmann a afirmar que “...os motivos desse fracasso (o fato de a sociologia do direito não ter tido nenhuma abordagem no sentido de uma teoria sociológica da positividade do direito) da sociologia clássica do direito frente a esse que poderia ter sido seu problema mais importante e atual estão à mão. Eles se localizam-se na insuficiência de suas bases teóricas, no estágio de desenvolvimento da teoria social então disponível. Se ela tivesse formulado o problema da adaptação do direito à crescente complexidade da sociedade, então ela teria podido reconhecer a função e a inevitabilidade da positivação do direito...”


A POSITIVIDADE DO DIREITO SOB O PRISMA DE LUHMANN


Na complexa sociedade atual emergem muitos problemas, em todos os campos, no direito inclusive. Paralelamente a isso, ela apresenta novas formas de possibilidades de resolução desses problemas. A complexidade social cresce em virtude do avanço da diferenciação funcional do sistema social.
Essa diferenciação produz sistemas sociais parciais para a solução de problemas sociais específicos. As proposições de problemas relevantes transformam-se e são obtidas no decorrer do desenvolvimento social, permitindo diferenciações crescentemente abstratas, condicionantes e perigosas em termos estruturais, como por exemplo os sistemas não só de obtenção, mas de distribuição de recursos econômicos, não só para a educação, como também para a pedagogia, não só para a justiça, como para a legislatura etc. A conseqüência disso é uma superprodução de possibilidades que somente parcialmente podem ser realizadas, exigindo mais e mais o recurso a processos de seleção consciente.
Em função dessa explosão de possibilidades da experiência e da ação, é que a contingência do experimentar e do agir na sociedade aumenta.
Em linhas gerais, a diferenciação funcional motiva um crescimento dos problemas e dos conflitos internos na sociedade, e assim, um crescimento dos encargos decisórios em todos os níveis da generalização. Os sistemas parciais ficam gradativamente mais mutuamente dependentes: a política depende do sucesso econômico; a ciência depende de financiamentos e da capacidade de planejamento da política etc.
Os problemas originados da diferenciação funcional transparecem nos diversos institutos do direito, no fato de que noções conhecidas se tornam questionáveis e inseguras. Surgem fissuras nos sistemas dogmáticos. Várias expressões inéditas ainda não conduzidas, como o direito do trabalho, o direito do trânsito, extrapolam o direito vigente e fazem com que decaia sutilmente o nível da arte conceitual e do domínio da matéria no direito. Embora se tenha toda essa valorização da atividade decisória dos juízes, percebe-se que esses problemas não podem mais ser solucionados no plano e na forma dos juristas. À medida em são resolvidos pelo direito, eles exigem progressivamente o recurso à legislação.
O estabelecimento de processos legislativos sendo um componente institucional da vida político-estatal é uma condição imprescindível para reorientação geral do direito em termos de positivação. Foi por isso que a preparação da positivação do direito na órbita conceitual em geral e no plano do conceito jurídico-científico convergiram para o processo legislativo.
Com a instauração do processo legislativo torna-se claro que nem todo direito pode ser cunhado na forma genérica da lei.
Hoje se pode constatar que a positividade do direito não pode ser suficientemente entendida por meio do fato da competência legislativa sobre todo o direito. No desenvolvimento histórico da positivação do direito discorre-se não só sobre a ampliação das atribuições legislativas com respeito a um dado sistema jurídico, como também do desaparecimento da hierarquia das leis, da simples continuidade da lex positiva, depois da perda da crença em fontes superiores do direito. Estritamente se pode falar de positividade do direito somente quando a própria instauração do direito tornou-se base do direito. “O direito positivo vige não porque normas superiores permitem, mas porque sua seletividade preenche a função do estabelecimento de congruência”.
Portanto, a positividade do direito pode ser entendida como a seletividade intensificada do direito. O espaço ampliado do que é realizável enquanto experiência e ação põe o direito natural hipoteticamente não variável à luz de outras possibilidades. O que se “tinha” como constante, ordem no mundo, passa a ser tido como escolha, opção, e como tal tem de ser assumido, independentemente de manter ou não as normas em cada caso. Essa mudança na estrutura torna a decisão o princípio do direito. A positividade desse não se origina da constituição, pelo contrário vige ainda que essa a negue, passando a “exercer-se” como direito natural ou imutável. Por derradeiro, ela provém do desenvolvimento social e está correlacionada com um estrutura social que produz uma grande quantidade de possibilidades mediante a diferenciação funcional, tendendo fazer com que o direito figure-se como contingente.


CONCLUSÃO

A sociedade moderna possui um grande nível de mudança. Isso a leva a caminho repleto de conflitos, confusões, incertezas etc. Em função disso, o direito moderno encontra-se num meio social em que as “soluções” aos problemas promanados daquela parecem não resolver, mas sim criar novos problemas.
A Ciência do Direito enfrenta o problema de o direito não ter uma definição precisa, possibilitando um leque de possibilidades que varia de autor para autor. Isso acontece porque o conceito depende intimamente de quem o elabora, pois aí estão concepções de realidade, de sociedade, do Estado etc., as quais são delimitadas em conformidade com a visão do autor. Talvez, nunca se chegue a uma concepção consensual, como já pensava Kant, pois os tempos mudam, novas correntes de pensamento surgem, a sociedade moderna é dinamicamente mutável etc.
Em virtude da mutabilidade da sociedade, e consequentemente do direito, a Sociologia Jurídica encontra dificuldades para estudá-los. Um dos maiores óbices é a complexidade a que ambos chegaram, combinada com a preterição dos sociólogos, que não se ocupam do direito como fato social, e deixam, muitas vezes, a cargo dos juristas a análise da vida social jurídica.


NOTAS BIBLIOGÁFICAS:

TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. 2.ª edição. Petrópolis:
Vozes, 1995.
CASTRO, Celso A. Pinheiro de. Sociologia do Direito. 5.ª edição. São
Paulo: Atlas, 1998.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1983.
BERMANN, Marshal. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar. São Paulo :
Companhia das Letras, 1986.
REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo : Saraiva,
1990.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. São Paulo : Memória e
Sociedade. (Traduzido por Fernando Tomaz)

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